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Mas citemos um exemplo desse prazer de escolher, desse pra-
zer de associar o masculino e o feminino. Um devaneio de pala-
vras confere no sei que sabor picante ao devaneio potico. Pare-
ce-nos que a estilstica teria todo o interesse em acrescentar aos
seus diferentes mtodos de exame uma pesquisa mais ou menos
sistemtica sobre a abundncia relativa dos masculinos e femini-
nos. Mas nesse domnio uma estatstica no bastaria. Importa
determinar "pesos", medir a tonalidade das preferncias. Para
nos prepararmos para essas medies sentimentais do vocabu-
lrio de um autor, talvez fosse necessrio fico totalmente confu-
so ao dar este conselho concordar em tornar-se, nas doces
horas de repouso, urn sonhador de palavras.
No entanto, se hesito quanto ao mtodo, tenho mais confiana
nos exemplos vividos pelos poetas.
14. Cf. George Sand, Legendes rustiques, p. 133.
15. Id.. ibid., p. 147.
38 A POTICA DO DEVANEIO
IV
Para comear, aqui est um modelo de unio entre o mascu-
lino e o feminino. Porque poeta, o bom cura Jean Perrin sonha
lb
Casar a aurora com o luar.
Eis um desejo quejamais vir aos lbios de um pastor angli-
cano, condenado a sonhar numa lngua desprovida de gneros.
Para esse casamento das palavras celebrado pelo poeta, quer
pendam sobre a sebe, quer sobre o silvado, todos os sinos das
campanulas, na paróquia de Faremoutiers, dobram em unssono.
Bem diverso ser um segundo exemplo. Ele afirmar nos obje-
tos a realeza do feminino. Nós o tomaremos emprestado a um
conto de Rachilde. um conto de juventude. A autora deve t-lo
escrito ao tempo em que escrevia Monsieur Vnus. Nele Rachilde
pretende mostrar as flores que vo curar a plancie da Toscana
devastada pela peste17.
A rosa ento o feminino enrgico, conquistador, domina-
dor: "As rosas, bocas em brasa, chamas de carne (lambiam)
a incorruptibilidade dos mrmores." Outras rosas, "de uma esp-
cie agarradeira", invadem o campanrio. Lanando, "por uma
ogiva, a floresta de seus espinhos ferozes", ela "se agarrou"
essa espcie agarradeira "ao longo de uma corda, f-la ondular
sob o peso de suas jovens cabeas". E quando so cem a puxar
a corda ouve-se o sino tocar a rebate. "As rosas tocavam a rebate.
Ao incndio do cu amoroso vem juntar-se a fornalha do seu
odor apaixonado." Ento "o exrcito das flores responde aos ape-
los de sua rainha", para que a vida floral triunfe sobre a vida
maldita. As plantas de nomes masculinos seguem, numa cadncia
menos ardente, o arrebatamento geral: "Copos-de-leite, de pisti-
los digitados, avanavam como sobre mos providas de garras...
16. Jean Perrin, La colline d'ivoire, p. 28.
17. Rachilde, Contes et nouvelles. Seguidos de Thatre, Mercure de France,
1900, pp. 54-5. A novela tem por ttulo Le mortis. dedicada a Alfred Jarry,
que Rachilde chamar de supermacho das letras (cf. Jarry, ou le surmle de lettres,
ed. Grasset, 1928).
DEVANEIOS SOBRE O DEVANEIO 39
Os capins, os licopódios, os reseds, plebe verde e cinza... multi-
plicavam-se em imensos tapetes, sobre os quais corria a vanguar-
da dos lrios loucos, portadores de clices donde jorrava uma
embriaguez azul."18
Assim, nesse texto, os nomes masculinos e femininos so bem
escolhidos, nitidamente confrontados. Encontraramos facilmen-
te outras provas se prossegussemos, ao longo do conto de Rachil-
de, a anlise por gnero acima esboada.
De uma rosa que lambe um mrmore os psicanalistas fariam
logo uma história. Mas, atribuindo responsabilidades psicoló-
gicas demasiado remotas pgina potica, eles nos privariam
da alegria de falar. Retirariam as palavras de nossa boca. A an-
lise de uma pgina literria pelo gnero das palavras a genosa-
nlise firma-se em valores que ho de parecer superficiais
aos psicólogos, aos psicanalistas e aos pensadores. Mas ela nos
parece uma linha de exame existem tantas outras! para
ordenar as singelas alegrias da palavra.
Seja como for, coloquemos a pgina de Rachilde na conta
do superfeminino. E, para evitar qualquer confuso, lembremos
que Rachilde publicou, em 1927, um livro intitulado Pourquoi
je ne suis pas fministe (Por que no sou feminista).
Acrescentemos, enfim, apoiando-nos em exemplos como os
j citados, que pginas fortemente marcadas por um gnero grama-
tical privilegiado, ou cuidadosamente equilibradas sobre os dois
gneros, masculino e feminino, perdem parte do seu "encanto"
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